segunda-feira, outubro 19, 2009

Mariana, tire os cavalos da chuva

Alguma coisa o incomodava precisamente na região lateral do nariz, um pouco abaixo do olho esquerdo. Alguma coisa entre uma pressão e uma coceira, com um pouco de emoção também. Era como se só uma, essa parte do seu corpo, estivesse chorando de emoção enquanto assistia a uma ópera. Pensou se deveria parar para pensar naquilo tudo, e no seu significado, sua origem, mas concluiu que daria muito trabalho e preferiu caminhar tranquilamente sobre botas e entre calças jeans, até a cocheira de sua casa. O ploc ploc ploc das botas na madeira encerravam o almoço que quase sempre consistia de costelas de boi assadas.

Bob Blue estava de quatro, como sempre e bebia água. Ao avistar Johnny The Joe, relinchou e deu uma mijadinha.

Conheceram-se havia sete ou oito anos quando Johnny The Joe ajudou Mirta James, mãe de Bob Blue num dia em que ela havia acabado de se perder do marido durante uma tempestade e passava fome sob uma árvore com seus três pequeninos. Deu-lhes água e um pouco de capim que carregava sempre com ele. Johnny The Joe tinha então 21 anos e morava com seu avô Billy. Bob Blue tinha apenas ano e meio de vida.

Nunca mais se desgrudaram e até hoje são muito amigos. Bob se casou e teve 4 filhos, que ainda moram com ele.

Nesta tarde de domingo, Johnny precisava resolver uma questão antiga com os Mahoney, clã do sul que não se dava com a família de Johnny e discordava dela no que se referia ao destino de duas afluentes do Rio Moon.

E discordar quanto ao Moon, meu caro, ah... era coisa pra muito chumbo queimado.

Parceiros, seguiram Johnny The Joe e Bob Blue em direção ao sul, pela Golden Road. Passaram por Cancro Duro, índio amigo, filho de mulher branca, que tinha uma barraquinha de cds piratas, logo ao lado do Matadouro do Moe. Seus filhos Giuseppe, Ricardo e Jean Claude, aproveitaram a descendencia e formaram um grupo de música peruana, com aquelas flautinhas de bambu, o que lhes garantia alguns bons trocados.

Depois, veio a estrada. Ela mesma, grande e imponente. The Golden Road, que alguns bairristas cismavam em chamar The Golder.

Em alta velocidade, logo após a curva dos Mackenzie, que tem esse nome porque foi la que morreram todos os 7 integrantes dessa infeliz família em acidente de carroça, Johhny The Joe deixou cair uma lágrima. Não pelos Mackenzie, mas não sabia porque, lembrou-se dos bolinhos de sua avó.

A pastelaria dos Fung Huang, cowboys chineses da tribo dos Hinhauwn, indicava a proximidade da fazenda dos Mahoney. Johnny fez o mesmo sinal de sempre, que mostrava a Bob Blue a passagem de comando. Queria estar com ambas as mãos livres para empunhar Mariana, sua espingarda do peito.

Em prata de lei, com detalhes em marfim e diamantes, Mariana ja havia cuspido muito fogo. Johnny, homem rude porém carinhoso, era apaixonado por Mariana. Tinham horas de conversas em frente ao fogo, antes de dormir e sempre, eu disse sempre antes de sentar o dedo em Mariana, Johnny soltava seu grito de guerra, ainda em trote: -Mariana, tire os cavalos da chuva!

Há anos era assim. Fosse por questão de honra, fosse para caçar ou pra assustar passarinhos. Johnny The Joe pegava Mariana com uma mistura de força e delicadeza, acelerava em cima de Bob Blue e gritava: -Mariana! Tire os cavalos da chuva! E sentava chumbo grosso.

Foi o que fez: lançou um olhar de cumplicidade para Bob Blue, acariciou seu lombo, depois voltou-se com tranquilidade e determinação para Mariana, alisou seu corpo, parou o olhar no rubi em forma de gota encravado em seu dorso, teve cheios os olhos de lárgimas, posicionou-lhe o dedo no gatilho e gritou: -Mariana, tire os cavalos da chuva!

Acertou em um, dois, três, quatro, cinco porcos de raça que os Mahoney criavam.

Puxou forte a rédea e fez a curva quase derrapando.

Saiu às gargalhadas.

Considerou-se vingado.